Muitos teimam em chamar de reforma
política as diversas propostas que transitam pelos partidos, casas
legislativas, entidades da sociedade civil. Mas, na realidade, o debate está
sendo focado em emenda constitucional (PEC n.º 352/2013) e alteração do sistema eleitoral, com
liderança da concepção jurídica e não da concepção política.
O que a Câmara dos deputados
(ultraconservadora) debateu e aprovou foram algumas mudanças mínimas do nosso
sistema eleitoral, somente. E nada que venha alterar estruturalmente o nosso
processo eleitoral no Brasil, em que a força do dinheiro e das empresas é quem
define os eleitos.
Como em todo o mundo, o modelo brasileiro
é capitalista, logo não rima com igualdade e liberdade, e sim com competição e
lucro - daí o ponto mais polêmico do debate ter sido o financiamento público ou
privado de campanha. A nossa democracia é liberal, representativa e limitada, a
nossa forma de governo é República e o regime político é presidencialista, com
representação proporcional e multipartidarismo em que o poder legislativo é
bicameral: a Câmara dos deputados é eleita através do sistema proporcional, o
que foi também objeto no debate polêmico da alteração do sistema eleitoral
naquele local.
Cabe ressaltar que muitos procedimentos
adotados nas eleições proporcionais provocam distorções na representação e
precisavam ser reformados de fato, a fim de garantir a observância do princípio
de igualdade política entre os cidadãos na sociedade e aqui cito a
sub-representação de índios, negros e da mulher.
Por isso o sistema de cotas (reservas de
vagas) seria necessário, ao menos temporariamente, já que não tem equidade e
nem isonomia. Mas não foi o que aconteceu. A Câmara rejeitou a cota para
mulheres e sequer debateu para índios e negros no parlamento.
Trago
aqui, para ilustrar tal distorção, como exemplo, a
eleição no Maranhão: dos 18 deputados federais eleitos (2014), somente uma é
mulher e um negro. Na penúltima eleição (2010), foram eleitos dois negros,
deste um era quilombola e também uma mulher e tal situação, na nossa
representação, poderia ser modificada com uma reforma política de fato.
Por que reformar o sistema? Para
garantir que a representação seja cada vez mais democrática. E como vivemos em
uma chamada “democracia representativa” e uma sociedade pluriétnica, é
fundamental que todos os segmentos da sociedade estejam representados nos três
poderes da República: Executivo, Legislativo e Judiciário.
Uma
verdadeira reforma política tem que debater com a sociedade - seja por meio de
uma constituinte exclusiva ou por meio de conferência com os movimentos
sociais, com a participação do Congresso - pontos como financiamento público ou
privado nas campanhas; sistema de votação dos eleitos; participação direta; um
debate sério daquantidade de mandatos de deputados federal, estadual, vereador
(tem parlamentar com mais de 30 anos de mandatos nas casas legislativas!) e
também de senadores - e não somente do presidente da república, governador e
prefeitos. Devem ser discutidos, ainda, eleição de ministros do STF; tempo no
programa de televisão e rádio igual para todos os partidos com registro no TSE
e representação no congresso (Câmara, Senado) e Assembleias; democracia nos
partidos políticos, etc.
Em seu clássico Sociologia dos Partidos Políticas (1917),
Robert Michels (sociólogo alemão) já apontara que “não se concebe a
democracia sem organização”, mas não deixou de dizer também que: “representar
significa fazer aceitar, como sendo vontade da massa, o que não passa de
vontade individual. É possível representar, certos casos isolados, quando se
trata, por exemplo, de questões de contornos nítidos e flexíveis, e quando, por
superposição, a delegação é de curta duração. Mas uma representação permanente
equivaleria sempre a uma hegemonia dos representantes sobre os representados”.
Daí a defesa de que mandato muito longo seja de presidente da república,
governadores, prefeitos, senadores, deputados federal, estadual e vereador
trazem distorção à democracia. Quando Michels vai tratar dos partidos, aí é
mais brilhante (ele que era um desencantado com
a falta de democracia interna no partido) e, ao analisar na sua principal obra
a "lei de ferro da oligarquização"
nos sindicatos e partidos operários, diz que “os partidos
políticos cada vez mais vão se transformar em uma oligarquia (de poucos)”. Nada
mais atual a análise de Michels.
Quanto à
quantidade de partidos existentes no Brasil, não vejo como problema Hoje são 32
no total (fonte do TSE), mas a questão é do seu funcionamento; muitos sem
programa e concepção, sem projeto, sem a grande política (Gramsci), atuando
como empresa (Max Weber), dirigido por famílias, por poucos como fala Michels,
verdadeira oligarquia - às vezes uma autocracia liderada por outsider ou por
quem se consideram donos. Tem-se que lutar pela democracia nos partidos também,
seja de concepção de esquerda ou de direita.
E esse debate não aconteceu naquilo se convencionou chamar de “reforma
política”.
E quais foram às mudanças mínimas no sistema eleitoral brasileiro aprovado pela Câmara e que mantém ‘ status quo’ dos donos de partido? Mas o texto ainda precisa passar por uma votação de 2.º turno, podendo, também, ser modificado pelo Senado e desaprovado pelo STF e vetado pela presidente Dilma:
a.
Financiamento empresarial de
campanhas (é o financiamento privado de
campanha; pois foi rejeitada a proposta do financiamento exclusivamente
público);
b.
Cláusula de barreira(para ter acesso
a tempo de TV e ao fundo partidário, as siglas (partidos) precisam eleger pelo
menos um parlamentar na Câmara ou no Senado, de acordo com a proposta);
c.
Fim
da Reeleição (mas só paraoExecutivo, deixando livre a quantidade de
mandatos de senadores, deputado federal, estadual e vereador);
d.
Sobre o tempo dos Mandatos
(o texto da dita reforma política que passou pela Câmara prevê mandato de 5
anos para todos os cargos eletivos, mas só em 2020 valerá o mandato de cinco
anos nas eleições municipais e em 2022 para as eleições gerais);
e.
A idade
mínima para se candidatar a cargos eletivos
(agora - 18 anos de idade para deputados federais e estaduais,
antes era de 21 anos, e 29 anos de idade para a eleição de governador,
vice-governador e senador, antes era de 30 anos para governador,
vice-governador e 35 anos para senador);
f.
Aprovaram alterações na data da posse do presidente da República e
governadores. O presidente passará a assumir o cargo no dia 5 de janeiro do ano
seguinte à eleição. No caso de governadores, a posse ocorrerá no um dia antes
(4 de janeiro), também do ano seguinte ao pleito. Antes era ambos no dia 1 de
janeiro;
g.
Fidelidade
partidária (determina a perda do mandato daquele que se desligar do
partido pelo qual foi eleito. A exceção será para os casos de “grave
discriminação pessoal, mudança substancial ou desvio reiterado do programa
praticado pela legenda”. Também não perderá o mandato no caso de criação, fusão
ou incorporação do partido político, nos termos definidos em lei);
h.
Iniciativa
popular (agora para 1% corresponde a cerca de 1,5 milhão de
assinaturas. O texto da emenda diminui a quantidade de assinaturas para 500 mil
nas mesmas cinco unidades federadas. Também diminui a adesão em cada estado
para 0,1% dos eleitores. Antes a apresentação de projeto de iniciativa popular
atualmente, podia ser apresentado à Câmara se for subscrito por, no mínimo, 1%
do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco estados, com um mínimo
de 0,3% dos eleitores de cada um deles);
i.
Mudança
de partido (os parlamentares também aprovaram uma janela de 30 dias
para que o político possa mudar de partido sem perda do mandato).
Por
fim, só a mobilização e luta organizada por manutenção e ampliação de direitos
e na defesa da democracia (mesmo com seus limites) pode proporcionar
conquistas. E tem que se enaltecer a iniciativa do movimento da COALIZÃO PELA
REFORMA POLÍTICA DEMOCRÁTICA E ELEIÇÕES LIMPAS (CNBB, OAB, Movimento de
Combate a Corrupção Eleitoral etc.) que tinha uma proposta mais avançada.
Contudo, como o “pemedebismo” – que sempre foi maior que o “lulismo” e é quem
lidera a coalizão na Câmara dos deputados (ultraconservadora)
e presidida por Eduardo Cunha (PMDB/RJ) – a ignorou.
E vejo que a
luta no século XXI pelo combate à corrupção vem ganhando centralidade política
na sociedade, tanto pela esquerda como pela direita, debate também ignorado
pela alteração do sistema eleitoral. Só que agora há mais atores. Observe-se
que setores considerados conservadores ganham as ruas, sem organização em
sindicatos, associações de classe, partidos, e sem uma liderança forte, ou
mesmo uma simples associação de bairro. É por meio das redes sociais que estão
também mobilizando e mobilizados em atos com pautas difusas. Mas todos almejam
o mesmo: querem algo melhor da política!
[1]Doutorando e Mestre em Ciências
Sociais-Política (PUC/SP), Especialista em Sociologia (UEMA) Administrador,
Servidor Público Federal com exercício na UFMA, foi Secretário-Adjunto de
Estado de Igualdade Racial do Maranhão (2007-2009).