REFORMA POLÍTICA OU MUDANÇA MÍNIMA DO SISTEMA ELEITORAL?



Por Sílvio Sérgio Ferreira Pinheiro “Sílvio Bembem”

Muitos teimam em chamar de reforma política as diversas propostas que transitam pelos partidos, casas legislativas, entidades da sociedade civil. Mas, na realidade, o debate está sendo focado em emenda constitucional (PEC n.º 352/2013) e alteração do sistema eleitoral, com liderança da concepção jurídica e não da concepção política. 

O que a Câmara dos deputados (ultraconservadora) debateu e aprovou foram algumas mudanças mínimas do nosso sistema eleitoral, somente. E nada que venha alterar estruturalmente o nosso processo eleitoral no Brasil, em que a força do dinheiro e das empresas é quem define os eleitos. 

Como em todo o mundo, o modelo brasileiro é capitalista, logo não rima com igualdade e liberdade, e sim com competição e lucro - daí o ponto mais polêmico do debate ter sido o financiamento público ou privado de campanha. A nossa democracia é liberal, representativa e limitada, a nossa forma de governo é República e o regime político é presidencialista, com representação proporcional e multipartidarismo em que o poder legislativo é bicameral: a Câmara dos deputados é eleita através do sistema proporcional, o que foi também objeto no debate polêmico da alteração do sistema eleitoral naquele local.

Cabe ressaltar que muitos procedimentos adotados nas eleições proporcionais provocam distorções na representação e precisavam ser reformados de fato, a fim de garantir a observância do princípio de igualdade política entre os cidadãos na sociedade e aqui cito a sub-representação de índios, negros e da mulher. 

Por isso o sistema de cotas (reservas de vagas) seria necessário, ao menos temporariamente, já que não tem equidade e nem isonomia. Mas não foi o que aconteceu. A Câmara rejeitou a cota para mulheres e sequer debateu para índios e negros no parlamento.
Trago aqui, para ilustrar tal distorção, como exemplo, a eleição no Maranhão: dos 18 deputados federais eleitos (2014), somente uma é mulher e um negro. Na penúltima eleição (2010), foram eleitos dois negros, deste um era quilombola e também uma mulher e tal situação, na nossa representação, poderia ser modificada com uma reforma política de fato. 
 
Por que reformar o sistema? Para garantir que a representação seja cada vez mais democrática. E como vivemos em uma chamada “democracia representativa” e uma sociedade pluriétnica, é fundamental que todos os segmentos da sociedade estejam representados nos três poderes da República: Executivo, Legislativo e Judiciário. 

Uma verdadeira reforma política tem que debater com a sociedade - seja por meio de uma constituinte exclusiva ou por meio de conferência com os movimentos sociais, com a participação do Congresso - pontos como financiamento público ou privado nas campanhas; sistema de votação dos eleitos; participação direta; um debate sério daquantidade de mandatos de deputados federal, estadual, vereador (tem parlamentar com mais de 30 anos de mandatos nas casas legislativas!) e também de senadores - e não somente do presidente da república, governador e prefeitos. Devem ser discutidos, ainda, eleição de ministros do STF; tempo no programa de televisão e rádio igual para todos os partidos com registro no TSE e representação no congresso (Câmara, Senado) e Assembleias; democracia nos partidos políticos, etc. 

Em seu clássico Sociologia dos Partidos Políticas (1917), Robert Michels (sociólogo alemão) já apontara que “não se concebe a democracia sem organização”, mas não deixou de dizer também que: “representar significa fazer aceitar, como sendo vontade da massa, o que não passa de vontade individual. É possível representar, certos casos isolados, quando se trata, por exemplo, de questões de contornos nítidos e flexíveis, e quando, por superposição, a delegação é de curta duração. Mas uma representação permanente equivaleria sempre a uma hegemonia dos representantes sobre os representados”. Daí a defesa de que mandato muito longo seja de presidente da república, governadores, prefeitos, senadores, deputados federal, estadual e vereador trazem distorção à democracia. Quando Michels vai tratar dos partidos, aí é mais brilhante (ele que era um desencantado com a falta de democracia interna no partido) e, ao analisar na sua principal obra a "lei de ferro da oligarquização" nos sindicatos e partidos operários, diz que “os partidos políticos cada vez mais vão se transformar em uma oligarquia (de poucos)”. Nada mais atual a análise de Michels.

Quanto à quantidade de partidos existentes no Brasil, não vejo como problema Hoje são 32 no total (fonte do TSE), mas a questão é do seu funcionamento; muitos sem programa e concepção, sem projeto, sem a grande política (Gramsci), atuando como empresa (Max Weber), dirigido por famílias, por poucos como fala Michels, verdadeira oligarquia - às vezes uma autocracia liderada por outsider ou por quem se consideram donos. Tem-se que lutar pela democracia nos partidos também, seja de concepção de esquerda ou de direita.  E esse debate não aconteceu naquilo se convencionou chamar de “reforma política”. 

E quais foram às mudanças mínimas no sistema eleitoral brasileiro aprovado pela Câmara e que mantém ‘ status quo’ dos donos de partido? Mas o texto ainda precisa passar por uma votação de 2.º turno, podendo, também, ser modificado pelo Senado e desaprovado pelo STF e vetado pela presidente Dilma:

a.        Financiamento empresarial de campanhas (é o financiamento privado de campanha; pois foi rejeitada a proposta do financiamento exclusivamente público);
b.      Cláusula de barreira(para ter acesso a tempo de TV e ao fundo partidário, as siglas (partidos) precisam eleger pelo menos um parlamentar na Câmara ou no Senado, de acordo com a proposta);
c.       Fim da Reeleição (mas só paraoExecutivo, deixando livre a quantidade de mandatos de senadores, deputado federal, estadual e vereador);
d.      Sobre o tempo dos Mandatos (o texto da dita reforma política que passou pela Câmara prevê mandato de 5 anos para todos os cargos eletivos, mas só em 2020 valerá o mandato de cinco anos nas eleições municipais e em 2022 para as eleições gerais);
e.       A idade mínima para se candidatar a cargos eletivos (agora - 18 anos de idade para deputados federais e estaduais, antes era de 21 anos, e 29 anos de idade para a eleição de governador, vice-governador e senador, antes era de 30 anos para governador, vice-governador e 35 anos para senador);
f.       Aprovaram alterações na data da posse do presidente da República e governadores. O presidente passará a assumir o cargo no dia 5 de janeiro do ano seguinte à eleição. No caso de governadores, a posse ocorrerá no um dia antes (4 de janeiro), também do ano seguinte ao pleito. Antes era ambos no dia 1 de janeiro;
g.      Fidelidade partidária (determina a perda do mandato daquele que se desligar do partido pelo qual foi eleito. A exceção será para os casos de “grave discriminação pessoal, mudança substancial ou desvio reiterado do programa praticado pela legenda”. Também não perderá o mandato no caso de criação, fusão ou incorporação do partido político, nos termos definidos em lei);
h.      Iniciativa popular (agora para 1% corresponde a cerca de 1,5 milhão de assinaturas. O texto da emenda diminui a quantidade de assinaturas para 500 mil nas mesmas cinco unidades federadas. Também diminui a adesão em cada estado para 0,1% dos eleitores. Antes a apresentação de projeto de iniciativa popular atualmente, podia ser apresentado à Câmara se for subscrito por, no mínimo, 1% do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco estados, com um mínimo de 0,3% dos eleitores de cada um deles);
i.        Mudança de partido (os parlamentares também aprovaram uma janela de 30 dias para que o político possa mudar de partido sem perda do mandato).
Por fim, só a mobilização e luta organizada por manutenção e ampliação de direitos e na defesa da democracia (mesmo com seus limites) pode proporcionar conquistas. E tem que se enaltecer a iniciativa do movimento da COALIZÃO PELA REFORMA POLÍTICA DEMOCRÁTICA E ELEIÇÕES LIMPAS (CNBB, OAB, Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral etc.) que tinha uma proposta mais avançada. Contudo, como o “pemedebismo” – que sempre foi maior que o “lulismo” e é quem lidera a coalizão na Câmara dos deputados (ultraconservadora) e presidida por Eduardo Cunha (PMDB/RJ) – a ignorou.
E vejo que a luta no século XXI pelo combate à corrupção vem ganhando centralidade política na sociedade, tanto pela esquerda como pela direita, debate também ignorado pela alteração do sistema eleitoral. Só que agora há mais atores. Observe-se que setores considerados conservadores ganham as ruas, sem organização em sindicatos, associações de classe, partidos, e sem uma liderança forte, ou mesmo uma simples associação de bairro. É por meio das redes sociais que estão também mobilizando e mobilizados em atos com pautas difusas. Mas todos almejam o mesmo: querem algo melhor da política! 


[1]Doutorando e Mestre em Ciências Sociais-Política (PUC/SP), Especialista em Sociologia (UEMA) Administrador, Servidor Público Federal com exercício na UFMA, foi Secretário-Adjunto de Estado de Igualdade Racial do Maranhão (2007-2009).